Menos de um dia após o Ministério da Ciência, Tecnologia, Comunicações e Inovações (MCTIC) encerrar a consulta pública sobre o Plano Nacional de Internet das Coisas (IoT), na segunda-feira, 6, a Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas reuniu especialistas e juristas para debater os desafios jurídicos para o desenvolvimento da IoT no Brasil, encontro realizado em parceria com o consórcio integrado por Mckinsey, CPqD e o escritório Pereira Neto, Macedo Advogados.

O debate girou em torno da complexidade de regulamentação da Internet das Coisas em razão da miríade de objetos inteligentes interconectados — que vão desde carros automatizados até relógios inteligentes ou eletrodomésticos controlados via celular —, bem como das inúmeras questões envolvendo a segurança, privacidade e padrão tecnológico.

Para Caio Mario da Silva Pereira Neto, professor de Direito Econômico da FGV Direito SP, a regulamentação é uma forma de dar segurança jurídica à IoT, já que esse fenômeno irá gerar a conexão massiva de dispositivos e serviços. “Na verdade, trata-se de identificar onde a regulação deve ser ajustada para viabilizar a IoT, ou seja, saber onde o Direito pode ser um obstáculo para que sejam feitas adaptações para o avanço da tecnologia no país.”

O jurista se diz particularmente preocupado com a inexistência de uma padronização, o que pode inviabilizar algumas aplicações de IoT. “Para o celular se comunicar com a geladeira, deve haver um padrão compatível de conexão entre eles. E esse é um problema na internet das coisas, que diz respeito a como criar padrões que permitam essa intercomunicação entre os dispositivos ou objetos”, destacou.

Ele advoga a tese de que para garantir a interoperabilidade entre os dispositivos de IoT deve-se deixar os padrões competirem entre si, nos moldes como ocorreu com os padrões tecnológicos para redes de telefonia celular CDMA e GSM — este último acabou se sobrepondo no mercado —, para evitar o efeito lock in (dependência de um padrão que exige gastos em múltiplos bens complementares).

Além de questões de padronização, o professor da FGV destacou também problemas relativos à privacidade e à segurança que os dispositivos conectados podem gerar. E é justamente essa dificuldade que tem levado muitos a defender que a Internet das Coisas não seja regulamentada, ao mesmo no que diz respeito à infraestrutura. Para o gerente de regulação da Anatel, Nilo Pasquali, a grande discussão é saber se queremos criar novas regras ou apenas adequar as normas já existentes.

Segundo ele, no momento, as discussões na agência sobre IoT seguem a lógica definida pelo Conselho Diretor, desde a reestruturação do órgão em 2013, que é buscar desregulamentação do setor. “O pensamento no momento não é criar um marco regulatório para IoT. Ao contrário, a ideia é fazer o mapeamento dos obstáculos existentes na regulação para o desenvolvimento da IoT no Brasil e removê-los”, disse Pasquali.

Modelo sem amarras

O gerente da Anatel explica que já há um arcabouço definido, mas diz que o desafio agora é como dar um contexto regulatório e legal para desenvolver a Internet das Coisas sem criar amarras e possibilitar inovação. Entre os desafios para que isso aconteça ele cita a revisão do regulamento sobre a exploração do serviço móvel pessoal (SMP) por meio de rede virtual (RRV).

Segundo Pasquali, entre as questões que estão colocadas e que precisam ser avaliadas estão o regulamento de operadoras móveis virtuais (MVNOs), as regras de numeração, roaming permanente e qualidade de serviço. Em relação a este último item, ele diz que a Anatel prepara um estudo que deverá entrar em consulta pública ainda neste primeiro semestre. “É preciso discutir se haverá maior flexibilidade para o modelo de credenciado, se serão retiradas as obrigações do modelo autorizado e se será criado um modelo específico para o mercado de IoT.”

Outros pontos importantes apontados por ele, entre vários outros, são quais das obrigações fariam sentido aos diversos modelos de negócio IoT/M2M, o uso de numeração internacional e roaming permanente e a redução de obrigações relativas a qualidade e usuários.

O diretor do ITS Rio, Carlos Affonso, diz que é preciso tomar cuidado com o “cacoete” de que novas tecnologias precisam de novas leis”. Como exemplo ele cita a consulta pública sobre Internet das Coisas feita pela Comissão Europeia em 2013, que aponta pela necessidade de diretrizes e pela integração de diversos assuntos. “IoT é um dos vértices do triângulo, que inclui big data e inteligência artificial, e tudo isso se relaciona. Pensar em apenas um deles pode fazer com que o Brasil acabe perdendo oportunidade de inovar nesse mercado.”

Affonso defende que questões já atendidas pelas legislações vigentes, como o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o Código Civil, não necessitam de uma nova regulação. “Devemos esperar que os problemas ocorram e verificar se o CDC consegue lidar com eles”, finalizou.

Fonte: ComputerWorld