As empresas estão se tornando, em maior ou menor grau, empresas de tecnologia. Toda a sociedade e, consequentemente, todas as indústrias estão diante de oportunidades e ameaças. As ameaças são empresas ou setores inteiros simplesmente desaparecerem.  Veículos autônomos e FinTechs são alguns exemplos de disrupções à vista.

É fundamental que os executivos compreendam que as mudanças que estão ocorrendo acontecem em ritmo exponencial e não linear. Os próprios modelos de negócio, hoje consolidados por décadas de sucesso, estão sendo colocados em cheque. Assim, repensar o propósito e criar novos modelos de negócio, mesmo que às custas de canibalização do atual, passam a ser requisitos de sobrevivência. O status quo deve ser questionado e para isso não é suficiente olhar apenas para seus concorrentes, mas para todos os lados. A disrupção provavelmente não virá de nenhum concorrente direto.

No cerne deste movimento está a transformação digital, que é o primeiro passo para a transformação dos negócios. O uso criativo da tecnologia passa a ser um fator não apenas de competitividade, mas de sobrevivência, transformando padrões de custos e eficiência, reinventando a experiência do usuário e permitindo crescimento exponencial. Uma estratégia digital é hoje intrínseca à estratégia de negócios.

As organizações estão em diferentes graus de maturidade quanto à transformação digital. Estas diferenças se acentuam pelas diferentes demandas sobre setores diversos e também pela cultura predominante em cada uma delas.  Se olharmos as empresas por três ângulos _  o potencial de digitalização de seus ativos (uma empresa fabricante de produtos se transformando em empresas de serviços digitais), a intensidade de uso das tecnologias digitais na relação com clientes e fornecedores, e o grau de disseminação das tecnologias digitais pelos seus próprios funcionários _ vemos diferenças significativas entre as empresas.

No caso da digitalização dos seus ativos, a transformação da GE é emblemática. Na entrevista  “GE’s Jeff Immelt on digitizing in the industrial space”, com o CEO da companhia, Jeff Immelt, fica clara a decisão estratégica de encampar integralmente as tecnologias digitais. Nas suas palavras, “We can´t be an industrial company anymore. We need to be more like Oracle. We need to be more like Microsoft”. Resultado: passaram a embutir centenas de sensores em locomotivas e turbinas de aeronaves e gerar novos serviços a partir da análise preditiva gerada pelo imenso volume de dados gerados. Um voo entre as cidades de New York e Chicago gera um terabyte de dados! Para Jeff, Analytics e Data Science tornam-se o “core” do negócio da GE, como foi a ciência de materiais nos últimos 50 anos. No lado inverso, podemos citar o setor hospitalar, que usa tecnologias avançadas do diagnóstico ao tratamento, mas precisa conviver com uma massa de trabalhadores quase analfabeta no uso de tecnologia, com muitos hospitais ainda dando os primeiros passos para adoção de sistemas integrados!

Não se espera que, de um dia para o outro, as empresas se transformem em um Facebook ou Alphabet. Mas que ao menos passem a olhar as bem-sucedidas empresas de tecnologia (Facebook, Amazon, Alibaba, Google, Airbnb, Uber e outras tantas) como referência e tentem descobrir o que pode ser aplicável aos seus negócios. O Facebook é um caso muito instigante de como uma empresa pós Internet desenha e coloca em prática suas estratégias, além de entender um pouco de como é sua operação nos bastidores. É uma visão muito diferente do planejamento estratégico das empresas tradicionais, porque Mark Zuckerberg, seu fundador e CEO, mumca precisou “pensar fora da caixa”. Antes do FB ele nunca tinha gerenciado uma empresa. Aliás, ele nunca tinha sequer trabalhando em uma. Portanto, não tinha nem caixa para usar como referência. Já o movimento do Google em criar o Alphabet tem forte viés de incentivo à inovação. É um caso que merece ser lido por todos CEOs e CIOs. A ideia básica é a empresa permitir que as áreas de negócio tenham autonomia para criar iniciativas digitais, mas com guidelines e princípios que garantam consistência e compatibilidade com os objetivos estratégicos da corporação.

Mudar não é fácil. Vemos grandes corporações patinando em suas mudanças estratégicas. A recente reportagem do Wall Street Journal, “IBM Net, Sales Slide as Turnaround Proves Elusive” mostra o quão difícil é fazer uma mudança drástica de rumo, mesmo para uma poderosa corporação, recheada de dinheiro e de capacidade intelectual.

Diante deste desafio, e da lentidão da TI em agir de forma inovadora, as áreas de negócio começam, por si mesmas, a desenvolver suas iniciativas digitais, disponibilizando novos serviços e proporcionando novas experiências aos clientes. Tudo isso sem conhecimento da TI.

Qual o papel da TI e do CIO neste movimento? Estão diante de uma decisão fundamental: liderar e se tornarem relevantes no processo de transformação dos negócios pela transformação digital, ou manter-se na operação básica, sendo, irreparavelmente, deixados em segundo plano.

A TI corporativa não pode ficar inerte. Tem que assumir um papel mais proativo e buscar inovação. Mas a questão é: ”Como liderar inovação, e em que grau TI deve se envolver nas iniciativas digitais da empresa?”

Centralizar a inovação não é um bom caminho, pois gera um gargalo.  A  TI não tem braços e cabeças para ser o “inovador único”. Por outro lado, ignorar as inovações que surgem a cada momento pode levar a uma futura situação caótica, quando as integrações entre novas tecnologias e sistemas corporativos começarem a despontar.

Uma provável resposta será achar o caminho do meio, onde TI define “guidelines” que minimizem a complexidade de integração entre as diversas inovações e os sistemas corporativos. Uma frase de David Heppenstall, CIO global do De Beers Group of Companies, ilustra bem este contexto: “Trying to keep complete control of anything digital will fail. All parts of the business have great ideas. It’s about building the right relationships and becoming their trusted advisor. Then they will come to you to plan and implement those great ideas. You’ve got to be open, agile and flexible”.

Para facilitar o processo de definir o nível de envolvimento da TI nas inovações, podemos analisar duas dimensões: o nível de maturidade da tecnologia e o seu grau de integração com os sistemas corporativos, reino da TI atual. Assim chegamos a quatro quadrantes:

a)     Alta integração e tecnologia madura: Onde a TI deve ser o líder da implementação, no rollout corporativo. Exemplos são Data Lakes, DevOps e entrega contínua, Cloud, etc.

b)     Alta integração, mas tecnologia ainda imatura e em fase de projetos piloto: No qual a TI deve atuar como advisor, para as questões de integração. Falamos aqui de Blockchain, IoT, Machine Learning.

c)     Baixa integração e tecnologia já amadurecendo: Em que a liderança deve estar com as áreas de negócio, apoiado pela área de TI. Exemplos típicos são drones e impressoras 3D.

d)     Baixa integração e tecnologias imaturas: no qual a TI pode exercer o papel de instigador para sua experimentação pelas áreas de negócio. Os exemplos são a Realidade Virtual e a Realidade Aumentada.

A estratégia digital da empresa não é uma estratégia de TI, mas da corporação como um todo. É papel e reponsabilidade do CIO e do setor de TI atuarem de forma proativa nestas iniciativas digitais. Aliás, é o que o CEO e o board esperam deles.

Alguns CIOs de empresas globais (e alguns aqui no Brasil) já identificaram este contexto. Em um artigo, Robert Webb, CIO do Etihad Aviation Group, disse: “Technology is the primary driver of growth and productivity in this century. Almost everything we do is enabled by technology. Online and mobile channels allow us to do more work with the same number of people and effectively communicate with our guests and employees”. E Filippo Catalano, CDO global da Nestlé, completa: “The acceleration of our digital transformation journey is a key priority for us. It is the foundation of how we will deliver our company ambitions and win with our consumers”.

Portanto é obrigatório que a TI atue integrada com todas as iniciativas digitais da empresa, mas de acordo com o nível de integração com os sistemas corporativos. Centralizar, como falamos anteriormente, criará um gargalo. Deixar sem controle, armar uma bomba relógio.

Mas, como fazer isso? Pesquisas aqui no Brasil mostram que os CIOs estão antenados com a necessidade de inovar, mas quando perguntados sobre budget reservado para experimentações de novas tecnologias, os números apresentados são pífios.  A crise é apontada como culpada. Em parte, realmente é, pois existe a tendência de concentrar os esforços na sobrevivência. Mas, e amanhã?

A TI deve começar, o mais cedo possível, a criar um ambiente que propicie a inovação. Isso passa por ter uma infraestrutura flexível e dinâmica (estratégia de cloud first em vez de aquisição de servidores e expansões de data centers); adotar de princípios e processos ágeis em toda a organização e não apenas no desenvolvimento de sistemas (redesenho da estrutura organizacional da empresa e de TI); ter amobilidade como cerne das suas aplicações, com apps contextuais e inteligentes; inserir analítica avançada no DNA corporativo e não como um projeto à parte; e, principalmente, atrair e reter talentos preparados para a transformação digital. Talentos em todos os níveis, do C-level aos desenvolvedores.

Em outra palavras, a mudança passa por uma autotransformação. O CIO transformador tem que se transformar primeiro. Deve incorporar a mentalidade de deixar de ser provedor de serviços básicos para ser advisor de inovação para as áreas de negócio.

Há várias maneiras de fazer isso: hackathons para desenvolver novas ideias e explorar novas experiências na jornada do cliente; criação de redes colaborativas de inovação; refação de  layouts do setor de TI para criar um ambiente mais propício à inovação; etc.

O CIO deve assegurar que a base digital da corporação está pronta ou em caminho de estar pronta, com uso de cloud, processos de entrega contínua, etc. Deve liderar a evangelização e o repensar da estrutura organizacional, saindo do colapsado modelo hierárquico para um modelo exponencial e cada vez mais self management. Usar as empresas pós Internet como modelo de referência e não os seus concorrentes diretos, já é uma quebra de paradigma. Atrair talentos digitais ainda estranhos ao seu meio, como User Experience Designers, Data Scientists, Drone Specialists, etc. E claro, ser parceiro em tempo integral dos demais C-level. Não os tratar como seus clientes, mas como parceiros em busca da melhorar a experiência na jornada do cliente que está lá fora, comprando seus produtos e serviços.

Não é uma tarefa simples. É árdua e talvez muitos não a queiram trilhar. Mas, com certeza, os que optarem por este caminho e tiverem aptidão para fazer a mudança acontecer, serão recompensados com maior relevância profissional e valorização de seu papel na empresa e no mercado.

Fonte: Computer World