Carlos Souza, CEO da ITuring: um milhão de especialistas de TI em 10 anos (Imagem: Divulgação)

Que a mão de obra no setor de tecnologia é disputada “a tapa” pelas empresas no mundo inteiro todos sabemos. Dentro desse cenário, as instituições de ensino vêm formando menos profissionais do que a demanda do mercado. E, para piorar a situação, boa parte dela não sai dos bancos da escola devidamente preparada.

No Brasil, esse quadro é especialmente crítico. Segundo um levantamento da Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (Brasscom), o setor de tecnologia demandará 420 mil profissionais em diversas áreas até 2024. Porém, apenas 46 mil pessoas se formam por ano no ensino superior com o perfil necessário para atender essas vagas.

E de olho nesse — preocupante — cenário nacional, há dois movimentos em ação: o primeiro vem direto das empresas, que tentam formar seus talentos de tecnologia dentro de casa e financiam profissionais de nível júnior ou pleno para que eles realizem cursos de especialização e façam parte de projetos que agreguem experiência. No entanto, há o (alto) risco de todo esse investimento se perder quando ele recebe uma proposta de outra companhia e deixa seus empregadores a ver navios.

O segundo movimento vem do crescente número de edtechs — startups que atuam na área de educação — que querem formar profissionais especializados em programação e desenvolvimento. Muitas delas, inclusive, adotam o modelo Income Share Agreement, (ou ISA), um nome chique para “Estude Agora, Pague Depois”. Ou seja, o aluno só paga pelo curso quando quando conseguir um trabalho cuja renda mínima permita a ele pagar pelos estudos.

Outras vão pelo modelo mais tradicional, mas têm objetivos mais ambiciosos. E uma delas é o recém-chegado Instituto Turing de Tecnologia, ou, se preferir, ITuring. A edtech tem o objetivo formar um milhão de pessoas em TI em até 10 anos. Para isso, aposta na experiência de seu board no setor de educação. Ele conta com Carlos Souza (ex-Veduca e Udacity Brasil) como um dos fundadores e CEO; Efraim Horn, Maurício Safra, Rogério Melzi (ex-Estácio), Professor Ronaldo Mota, membro da Academia Brasileira de Educação com forte atuação nas áreas de Novas Tecnologias e Metodologias Inovadoras no segmento e Youssef Mourad, CEO da Digital Pages.

De olho nas dores das empresas

Em entrevista ao Canaltech, Carlos Souza explicou que os dois primeiros cursos do ITuring — Análise de Dados para Negócios e Becoming a Modern Software Engineer — foram lançados com foco nas principais dores das 20 empresas com as quais a escola conversou antes de desenvolvê-los.

“As dores das empresas com as quais conversamos são muito claras. Todas falaram a mesma coisa para a gente: elas estão recebendo profissionais que dizem saber programar, que dizem saber desenvolver, só que há uma série de gaps. Eles não sabem escrever testes, como desenvolver um software escalável, nunca trabalharam em equipes de desenvolvimento de software. Ou não sabem a diferença de um código monolito para um código de arquitetura de microsserviço. Nunca trabalharam em um código legado para fazer a manutenção deles. Ou seja, são problemas reais, do dia a dia de qualquer departamento de TI. Usando uma analogia: hoje, as empresas recebem profissionais que sabem colocar um tijolo em cima do outro. Mas não encontram especialistas que saibam fazer o cálculo estrutural, onde colocar as vigas, ou como construir os alicerces de um software”.

Uma vez que foram identificadas as dores das empresas, Carlos explica que ficou muito claro quais as dificuldades a ITuring deveria atacar. Usando o curso de Becoming a Modern Software Engineer (Tornando-se um Engenheiro de Software Moderno), o executivo afirmou que a ideia era de criar um programa que fosse além de apenas ensinar a programar. Segundo ele, o objetivo é transformar, de fato, a pessoa em um engenheiro de software. Isso envolve ministrar boas práticas, desenvolvimento ágil, trabalho com testes, escalonar serviços, refatorar códigos, entre outras atribuições. Ou seja, desafios que profissionais do setor realmente enfrentarão no cotidiano das companhias.

Prática, prática e mais prática

Para preparar os profissionais, o ITuring abraça uma filosofia que é o cerne do mundo da tecnologia: prática, prática e mais prática. Para isso, os cursos da edtech são baseados no chamado project-based learning (ou “aprendizagem por projetos”, na tradução livre) e contarão com os primeiros módulos gratuitos, com os projetos revisados por especialistas e suporte ao aluno em até 24 horas inclusos na experimentação. Além disso, esses dois módulos sem custo fazem parte de um processo seletivo, que atestará se o candidato estará apto para continuar o curso e dar sequência à matrícula.

Interface de um dos cursos do ITuring: alunos devem resolver problemas e montar projetos reais (Imagem: Divulgação)

No project-based learning da ITuring, Souza afirma que os alunos devem resolver problemas e montar projetos reais. No passo a passo da construção, os alunos são acompanhados por especialistas que vão revisá-los, dando um feedback 100% personalizado em até 24 horas. “Esse, talvez, seja o nosso diferencial mais importante. Porque é apenas através da prática que as pessoas vão aprender”, explica o executivo. “Nossos alunos precisam criar alguma coisa, desenvolver, montar algo. E isso, quanto mais próximo do que eles vão encontrar no mercado de trabalho, melhor. Fora que eles terão um portfólio de projetos que poderão apresentar a potenciais empregadores e dizer: ‘Olha, eu resolvi esse problema’ “.

Souza explica ainda que os projetos desenvolvidos pelos alunos passam ao largo dos chamados code challenges oferecidos por outras escolas. Segundo ele, a ITuring quer propor projetos reais mais complexos, que exigem não apenas que o estudante seja capaz de programar e criar uma solução, mas também de refletir sobre aquilo que ele fez e responder perguntas, explicando como ele chegou até aquela solução e por que ela é a mais apropriada. “Fatores que são impossíveis para uma máquina corrigir e onde o fator humano é essencial”, diz o CEO.

Parceiros com conhecimento de causa

Para tocar o aprendizado em seus dois primeiros produtos, a ITuring escolheu parceiros específicos para cada um deles e que entendem a realidade do mercado em cada área abordada.

No curso Becoming a Modern Software Engineer, a escola criou uma parceria com a americana Refactory, consultoria global fundada por Joseph Yoder. Ele é considerado uma referência mundial em desenho de arquitetura de software, refatoração de códigos e desenvolvimento ágil, atendendo clientes como CiscoNubank, PagSeguro, Motorola, entre outros.

O segundo parceiro é a proptech Loft, que ajudou na construção do curso de Análise de Dados para Negócios. A startup colaborou com cases para análise de dados para negócios, além de instrutores que trabalham na área de Business Intelligence da empresa.

A terceira parceira é a Microsoft que, segundo Souza, tem um sólido e amplo conteúdo educacional, que atende aos dois cursos oferecidos pela ITuring. Entre os softwares da companhia que são utilizados nas aulas, estão o PowerBI, ferramenta de visualização de dados (para o curso de Análise de Dados para Negócios) ou ainda as aplicações de cloud computing da Azure (para o curso de Becoming a Modern Software Engineer). Inclusive, a empresa também deve fornecer conteúdo e serviços também para produtos futuros que serão lançados nos próximos meses pela edtech.

“Em comum, os nossos parceiros nos ajudam muito na identificação das dores, o que as empresas precisam, quais as habilidades os profissionais precisam aperfeiçoar. E como os cursos devem ser para entregarmos tudo isso”, afirmou Souza. “Na primeira vez que desenhamos os cursos, o Joe [Yoder] refez tudo, explicando o que as empresas precisam na prática”. 

Escala com qualidade

Atingir a meta de formar um milhão de profissionais de tecnologia em 10 anos passa por ganhar escala. E no setor de Educação isso se mostra uma tarefa especialmente complexa, principalmente se você quer manter a qualidade. Mas para a ITuring isso pode ser resolvido de uma forma: com tecnologia.

Segundo Souza, criar uma proposta escalável de ensino sem perda de qualidade passa por uma experiência de aprendizado online que usa e abusa de tecnologia de ponta. “Se conseguíssemos realizar um curso presencial, sem dúvida, conseguiríamos maximizar a qualidade. Mas isso jogaria contra o ganho de escala”, explica o CEO da edtech. “Mas criamos uma plataforma online que é o estado da arte em termos de ensino. Isso passa tanto pelo conteúdo que o estudante vê na tela, quanto pelo sistema de revisão de projetos, que roda por trás da plataforma. Eu diria que ele é o coração do aprendizado baseado m projetos”.

Joseph Yoder, da Refactory em um dos cursos da ITuring: parceria com especialistas e empresas referências no mercado de TI (Imagem: Divulgação)

Carlos explica que, quando o estudante envia um projeto, esse sistema identifica o aluno, o curso e o que foi criado. A seguir, a plataforma checa quais são os melhores revisores habilitados a analisar o projeto e dispara o material para eles. Após o aceite, o revisor tem 24 horas para dar o feedback personalizado ao estudante, seguindo um modelo de orientação desenvolvido pela escola. O software acompanha todas as etapas desse processo, incluindo as devolutivas dos alunos, que podem debater a respeito dos feedbacks recebidos. “Toda essa tecnologia é fundamental para ganharmos escala”, diz Souza. “A rapidez do feedback é essencial para que o aluno siga um projeto do início ao fim dentro do nosso sistema virtual de aprendizagem, sem ele que ele perca o foco do que acabou de desenvolver. E, claro, será essencial para escalar com qualidade, inclusive dentro da criação de conteúdo para todos os cursos.”.

Público-alvo e cursos futuros

O ITuring mira três tipos de público-alvo para seus cursos: os profissionais de TI que precisam se aperfeiçoar, aqueles que querem fazer uma mudança de carreira e os interessados em começar a trabalhar com tecnologia. E, nesse início, Souza afirma que os dois cursos lançados pela edtech miram a primeira categoria. Os dois programas têm duração média de 5 a 6 meses — com carga semanal de 10 a 15 horas. O valor inaugural de ambos é de R$1.990.

 “Nesse estágio inicial da ITuring, queremos os profissionais que já trabalham com Tecnologia e precisam avançar em suas carreiras. São pessoas que estão começando, basicamente aqueles de nível Júnior e Pleno”, explica o executivo. “Os nossos cursos iniciais exigem que os profissionais já tenham algum conhecimento do setor e isso será requerido, inclusive, no processo seletivo. Com essa experiência prévia, as pessoas poderão apreciar melhor o conteúdo que estamos ministrando”. 

No entanto, em um futuro próximo, as outras duas categorias de profissionais entram na mira da ITuring. Isso porque a escola pretende oferecer cursos de graduação e pós-graduação para aqueles que querem se especializar — ou aprimorar — em tecnologia. Souza afirma que, em setembro de 2020, a startup entrou com um pedido de credenciamento junto ao Ministério da Educação (MEC) para oferecer essas modalidades de ensino.

A autorização deve sair já nos próximos meses, e o executivo prevê que os novos cursos devem ser lançados em meados de 2022. E para desenvolvê-los — e atingir a meta de um milhão de formandos em TI em 10 anos — a edtech já conta com um investimento inicial de R$ 30 milhões, aportado pelo Fundo Abaporu, gerenciado por Elie Horn e que também é fundador da incorporadora e construtora Cyrela.

Será que o Brasil se tornará um “celeiro de craques” em tecnologia? Souza quer alcançar um milhão de estudantes para responder a essa pergunta.

Com informações da Brasscom (1), (2)

Fonte: https://canaltech.com.br/cursos/uma-startup-quer-formar-1-milhao-de-profissionais-de-ti-no-brasil-em-10-anos-189203/