O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, está prestes a enfrentar uma série de diferentes guerras tecnológicas, com uma intensidade jamais vista por nenhum outro presidente daquele país, desencadeadas por cientistas e tecnólogos.

E não será apenas a indústria de tecnologia a lutar contra Trump. Novas forças surgem, algumas com bases extensas, como o Neveragain.tech e a gigantesca “Marcha pela Ciência” planejada para acontecer em Washington e muitos outros lugares. Os protestos da indústria da tecnologia contra o bloqueio a imigrantes de sete países de maioria muçulmana foram apenas uma prévia do que virá.

Grandes batalhas se aproximam no terreno da ciência, como mudanças climáticas, qualidade do ar, suporte do governo federal a pesquisas e política de comércio. Listamos abaixo cinco guerras, dentre as várias ligada à tecnologia, que Trump deverá encarar:

1. Política de emissões e tecnologia de energia limpa da Califórnia: A economia do estado da Califórnia é a sexta maior do mundo e recentemente ultrapassou a França. Isso dá à Califórnia um tremendo peso econômico e qualquer ação que ela tomar com relação à energia limpa terá impacto nacional, não apenas nas políticas públicas como também na indústria de tecnologia.

A Califórnia tem uma liberação da Agência de Proteção Ambiental dos EUA (U.S. Environmental Protection Agency – EPA) que lhe permite definir padrões mais rígidos para veículos automotores. O estado defende que uma política dura contra emissões de gases poluentes e regulações sobre energia limpa para desenvolver uma indústria melhor.

Essa postura é amplamente combatida por grupos econômicos que querem um padrão único de regulação, e bem mais fraco, para o país todo. E o novo gestor da EPA nomeado por Trump, o procurador-geral do estado de Oklahoma, Scott Pruitt, não vai se comprometer em manter a liberdade da Califórnia.

O presidente do Senado da Califórnia, Democrata Kevin de León, de Los Angeles, disse que se Pruitt for confirmado para o cargo e decidir “colocar em perigo nossa economia inovadora, os empregos e, mais importante, o ar que 40 milhões de pessoas respiram, ele será recebido com total resistência do estado de cima abaixo”.

Nesse meio tempo, os grupos que apoiam o movimento de secessão da Califórnia começaram a coletar assinaturas para iniciar um processo de separar o estado da União. Se Trump quiser empurrar a Califórnia para votar por sua independência, basta tirar a liberação da regra de emissões de gás.

2. Suporte federal para pesquisa científica: o investimento federal em pesquisa e desenvolvimento vem caindo, a despeito dos protestos e recomendações do cientistas norte-americanos. O recuo começou antes de Trump assumir, mas a preocupação é que possa piorar com uma administração e Congresso controlados pelos Republicanos.

Em 2011, a Força Tarefa de Inovação Americana (Task Force on American Innovation), um grupo amplo que reúne indústria e academia, realizou um congresso chamado “Desconstruindo o iPad”, para mostrar que a maioria dos componentes de um iPad, seus circuitos integrados, telas sensíveis ao toque, sensores, GPS, e até a internet, eram frutos de pesquisa suportada pelo governo federal.

Embora essa demonstração nada tenha impactado os legisladores norte-americanos, líderes chineses entenderam a importância de suportar pesquisa e desenvolvimento básico em ciência: o país está em ritmo de ultrapassar os Estados Unidos em P&D em 2020. A meta da China é desafiar o domínio tecnológico dos EUA e ganhar maioria do mercado global. Em dezembro, a força tarefa de inovação enviou uma carta a Trump dizendo “não podemos reduzir nossos esforços enquanto outros países ameaçam nossa liderança financiando pesquisa científica básica que é vital para a inovação de amanhã”.

Trump gosta de “vencer” e ele pode se transformar no defensor da verba federal para P&D. Seu primeiro orçamento federal da administração, previsto para sair no próximo mês, vai dar o tom da conversa.

3. A China torna-se o Cisne Negro da tecnologia: Cerca de 84% dos eletrônicos do mundo são fabricados na Ásia, e 85% deles vêm da China, segundo uma pesquisa da IDC. Isso quer dizer que qualquer quebra de relações entre os Estados Unidos e China poderia ter impactos enormes na indústria de tecnologia.

Imagine o que pode acontecer se houver um confronto grave entre Estados Unidos e China por conta das ilhas artificiais do Mar da China Meridional, que já foram criticadas abertamente por Rex Tillerson, o Secretário de Estado de Trump, e pelo Secretário de Imprensa de Trump, Sean Spicer.

Não está claro como Trump vai lidar com a China e há um receio de que o presidente suba os custos dos eletrônicos com aumento de tarifas e que isso destabilize as cadeias de suprimentos. Se a administração Trump usar a força contra a China por causa das ilhas, a TI poderá enfrentar seu “Cisne Negro” que, na definição do estatístico Nassim Nicholas Taleb, é um evento súbito, de alto impacto e baixa probabilidade, para o qual praticamente ninguém está preparado.

4. Mudança Climática Há uma corrida para desenvolver tecnologia de energia limpa. Trump já enfatizou de que aposta em combustível fóssil, a despeito do fato de que o número de empregos na indústria de energia solar dos EUA tenha crescido 25% no ano passado e já represente 374 mil trabalhadores.

A tecnologia de energia limpa permeia tudo em que trabalham as empresas do Vale do Silício. E as companhias focadas primariamente em tecnologias de Internet das Coisas (IoT) se mantém na promessa de melhorar a eficiência energética de prédios, meios de transporte e sistemas de manufatura. Há um grande futuro na indústria de armazenamento de energia, como as fábricas em que trabalha a Tesla, que se foca em construir baterias que poderiam armazenar energia produzida por painéis solares em casas e prédios comerciais.

Por enquanto o Departamento de Energia dos Estados Unidos é uma das divisões federais que suporta a pesquisa em energia limpa, mas há uma preocupação geral que a posição de Trump de negar as mudanças climáticas venha a cortar esse suporte. Nesse caso, espere por brigas contínuas e grandes protestos.

5. Trump e a briga contra os vistos de tecnologia H-1B: Em 1998, o presidente Bill Clinton não tinha comprado completamente a insistência da indústria de tecnologia de que os EUA estariam sofrendo com a falta de profissionais capacitados.

Sua administração quase reduziu o número de vistos H-1B concedido para trazer estrangeiros para trabalhar em tecnologia nos EUA e cogitou, mas desistiu de aplicar, uma regra de que os funcionários contratados nesse modelo só poderiam ganhar US$ 75 mil dólares ao ano (US$ 110 mil agora, ajustados pela inflação).

Com Trump, toda essa briga pode voltar, e ele parece decidido a desafiar a indústria da tecnologia suportando uma ideia de que os vistos H-1B deveriam favorecer apenas profissionais que tivessem estudado em universidades norte-americanas e qualificados para posições com altos salários. Teoricamente esses estudantes seriam os melhores e os mais brilhantes, e Trump afirma que a indústria de tecnologia não tem problema de dinheiro para pagar esses salários.

Fonte: ComputerWorld