Em 2018, apenas 20% dos trabalhadores brasileiros de TI eram mulheres, segundo IBGE (Foto: Drazen_/Getty Images)

Em contraste com o aumento do desemprego no Brasil, o setor de tecnologia vive uma escassez de profissionais qualificados. O déficit pode chegar a cerca de 300 mil profissionais até 2024, segundo um levantamento feito pelo BrazilLAB em parceria com a Fundação BRAVA e o Centre for Pulblic Impact (CPI). Em resposta a esse cenário, empresas têm investido em programas de capacitação voltados a áreas como programação. Nesse caminho, também buscam resolver um outro problema do setor: a falta de diversidade.

Segundo dados divulgados pelo IBGE em 2018, apenas 20% dos trabalhadores brasileiros de TI eram mulheres. No mesmo ano, um levantamento da Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais (Brasscom) mostrou que 59% dos funcionários do setor de tecnologia eram brancos e asiáticos, contra 30% de negros, pardos e indígenas.

Foi com o objetivo de formar mais mulheres para esse mercado que a PrograMaria foi fundada, em 2014. No ano seguinte, ganhou como parceira a Intel. A empresa financia bolsas de estudo, além de apoiar outras iniciativas, como eventos e webinars, que buscam atrair o público-alvo do programa. Neste ano, a parceria vai ofertar 400 vagas e tem um foco definido: pessoas trans, não binárias e travestis. Entre esses grupos, as pessoas negras têm prioridade.

“Começamos a trabalhar com a PrograMaria porque entendemos que não adiantava só falar de mulheres na tecnologia dentro da Intel. Era importante levar essa discussão para a comunidade”, diz Barbara Toledo, gerente de consumo e varejo da Intel Brasil. Além da parceria, a executiva representa na América Latina o Women Intel Network (WIN), um grupo criado há 25 anos para reunir funcionárias e discutir pautas de gênero dentro da empresa.

O programa desenvolvido este ano com a PrograMaria, segundo ela, resultou da crescente discussão sobre interseccionalidade – que reconhece, exemplo, que problemas estruturais afetam mulheres negras e brancas de formas diferentes. Para se aproximar ainda mais do público-alvo, foi firmada uma parceria com a Transempregos, organização focada na empregabilidade de pessoas transgênero.

Os eventos que antecedem a formação das turmas também incluem a participação de pessoas que já trabalham no mercado de tecnologia. No último deles, quatro profissionais trans contaram as suas histórias. “A representatividade é importante para que as pessoas vejam que aquele é um espaço para elas, e elas não deveriam se sentir constrangidas de ocupá-lo”, diz Iana Chan, fundadora da PrograMaria. A nível global, a Intel se comprometeu a destinar US$ 300 milhões a iniciativas em prol a diversidade e inclusão na empresa e no setor.

O iFood é outra empresa envolvida nessa frente. Em abril, a empresa ofereceu 120 bolsas de estudo em um curso de programação em parceria com a Cubos Academy. O público-alvo são mulheres, negros e pessoas de baixa renda. Uma parte das bolsas também será destinada a entregadores e donos ou funcionários de restaurantes parceiros do aplicativo. A iniciativa tem como pano de fundo um compromisso, anunciado em fevereiro, de impactar 10 milhões de pessoas com oportunidades de educação e capacitação nos próximos cinco anos.

Para o setor de tecnologia, a meta é oferecer oportunidades de formação para 25 mil profissionais. Além de beneficiar o setor, a ideia é promover a inclusão social desse público. “Estamos conversando com empresas para encontrar espaço no mercado de trabalho para essas pessoas. Também queremos trazer algumas para dentro”, diz Luanna Luna, gerente de projetos de impacto social do iFood. Mais de 20 mil pessoas se inscreveram para o programa.

Além da parceria com o iFood, a Cubos Academy reserva 10% das vagas de todos os seus cursos para bolsistas. Cerca de R$ 100 mil foram revertidos nessas oportunidades. “Sabemos que muitas empresas abrem vagas [com foco em diversidade], mas dizem não encontrar profissionais. Isso deveria ser uma justificativa para o investimento em capacitação”, diz José Messias Júnior, fundador e CEO da escola.

Também envolvido em iniciativas de capacitação, o Santander distribuiu, desde 2005, quase 70 mil bolsas de estudo em diferentes temas. Na área de tecnologia, uma das iniciativas é o Santander Coders, direcionado a quem quer aprender programação. No último mês, o banco lançou uma iniciativa diferente: abriu 60 vagas para pessoas com deficiência (PcD) interessadas em atuar na área de Tecnologia. O público-alvo foram pessoas sem experiência. Uma vez contratadas, elas receberão os treinamentos necessários.

“Somos uma indústria regulada e que exige certificações, então também precisamos formar pessoas”, diz Vanessa Lobato, vice-presidente de Recursos Humanos do Santander. A executiva vê um avanço significativo na forma como a diversidade é abordada internamente e no mercado. “No primeiro treinamento, era um silêncio total na sala. Hoje, não tem uma reunião em que esse tema não apareça”, diz.

Uma vez que os profissionais são contratados, também é preciso garantir que encontrarão um ambiente propócio para o seu desenvolvimento, lembra Iana, da PrograMaria. “As empresas têm de pensar: como é ser uma mulher ou uma pessoa negra naquele ambiente?”, exemplifica ela. “Se as pessoas puderem encontrar um ambiente em que não gastam energia tentando se provar, preocupando-se apenas em fazer um bom trabalho, o resultado será outro.”

Fonte: Época Negócios