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Fevereiro de 2016 marcou o último dia de Edson Badan na Ford. Isso depois de quase 39 anos de casa. O executivo, que começou na montadora como analista em 1977 e ocupava a liderança de TI há 14 anos, deixará o posto para se aposentar. Antes de sair, contudo, ele atuou no processo de transição, para deixar a coisas caminhando, já sob a liderança da prata da casa Djalma Brighenti, que a partir de 1º de março responderá como CIO da empresa para América do Sul.

Em quase uma hora de conversa, Badan falou sobre sua trajetória na montadora, relembrou algumas histórias e chamou atenção para o fato de a Ford não ter vivido como outras fabricantes de automóveis as ondas deterceirização em TI e tampouco a do ERP. Bem-humorado, o executivo brincou como momento e disse que, ao menos agora, não pensa em assumir atividades profissionais como a de consultor, muito comum entre executivos que se aposentam. A seguir, você confere os principais trechos da conversa.

IT Forum 365 – Depois de quase 40 anos é possível fazer um balanço da sua carreira na Ford?

Edson Badan – É bastante complicado, foram muitas coisas. Entrei em 1977 como analista. Na época não existia telecom e os computadores eram off-line. Não existia um meio de entrar com dados se não fosse cartão perfurado. Tínhamos um grupo de meninas digitadoras que preenchiam o papel quadriculado e isso era imputado no sistema. Mas era um problema, um, por exemplo, preenchia o número 5 de uma forma que parecia com a letra S e a menina digitava rapidamente, linhas e linhas por dia (o que gerava muitas inconsistências). Isso foi um dos apelos quando chegaram os primeiros terminais para fazer sistema online e delegamos (o trabalho de inserir as informações) para quem conhecia e não para um terceiro que era digitador. Essa virada trouxe consistência de entrada de dados no sistema.

ITF 365 – Existe alguma onda que te marcou mais?

Badan – Eu sempre estive aqui para o que der e vier, sempre gostei muito de inovação e evolução. Gosto de fazer pela segunda vez diferente do que fiz na primeira. Tudo que vinha era diferente. Lembro quando testamos o fax com a Ford norte-americana pela primeira vez, e TI sempre testa, é pioneira. Quando mandamos a primeira imagem de planilha, passando pelo fio telefônico, foi inacreditável e é uma tecnologia que nem durou tanto. Se olhar, o Palm também não durou muito. GPS de carro é outro exemplo. Hoje você tem o Waze que é mais dinâmico e real time. Diversas tecnologias vieram, contribuíram e acabaram rapidamente pela chegada de outra mais modernas.

ITF 365 – Algum dos acontecimentos te causou mais desafio, como o bug do milênio?

Badan – O bug do milênio não foi desafio, montamos um grupo que tinha que mudar o campo de dado do ano de dois para quatro dígitos para não confundir 1980 com 2080, foi trabalhoso, mas não desafiador. Talvez um que desafiou mais foi a reserva de mercado, só importávamos mainframe e o Brasil inventou de fabricar o COBRA, que era um computador feito aqui e era o que podíamos comprar.

Naquela época, tínhamos desafio de fazer nota fiscal na portaria, o CPD ficava longe e quando emitíamos uma nota, alguém tinha que buscar, então, fizemos um projeto para imprimir na portaria. Mas como fazer isso sem terminais? Como colocar impressoras remotamente? Inventamos de comprar um COBRA, ligar via RJE – não havia telecom via rádio, era tudo fio mesmo. Fui à COBRA entender como usar o computador e instalei um deles e uma impressora que eram ligados ao mainframe via RJE. O mainframe recebia informações, confeccionava a nota fiscal e imprimia tudo na portaria. Foi muito pioneiro à época (era 1979). A Hering, em Santa Catarina, soube da iniciativa e pediu para eu ir a fazer algo similar para eles.

ITF 365 – A TI vive de diversas ondas, como a do outsourcing, do ERP. Como foi passar por isso?

Badan – Na verdade, não tivemos a onda outsourcing. Na época da onda, fazíamos tudo internamente, não tínhamos consultoria própria. Globalmente usamos SAP para gestão de pessoas. Todos os demais sistemas são feitos internamente. Não usamos SAP ou qualquer outro ERP, usamos um pedaço para peças de reposição, mas é complicado. Outros colegas terceirizaram ou usam ERP. A GM abriu na época a EDS, depois vendeu e recentemente fez insourcing. A Ford tem algumas vagas que são contratados de outras empresas. A Volkswagen montou a Gedas, terceirizou tudo e era uma empresa como a EDS. Passado um tempo acabou tudo. Hoje ninguém usa 100% terceirizado.

O apelo da GM para o insourcing foi de que a TI era estratégica e não podia manter o conhecimento externo. Vivi terceirização parcial, mas era mais uma flexibilidade que terceirizar. Era difícil contratar pessoas, aumentar head count e contratávamos temporário. Temos hoje um grupo de 4 mil pessoas na Ford Índia que faz monitoramento dos sistemas. No total, a Ford tem atualmente mais de 11 mil funcionários em TI no mundo. Por isso, te digo que não passamos pela onda de terceirização e nem pela do ERP.

A TI era uma diferenciação de negócio e a empresa sentia isso. Se pasteurizasse, deixava de ter essa vantagem competitiva. Por exemplo, quando montamos fábrica da Bahia, foi a primeira no mundo onde os fornecedores trabalham no mesmo parque. São 28 fornecedores compartilhando rede de dados e protegendo suas informações com suas regras de confidencialidade mantidas por meio de lans virtuais. Compartilhamos investimento feito como se fosse um condomínio.

ITF 365 – Olhando para trás e até comparando com seus colegas CIOs de outras montadoras, você acha que foi uma decisão acertada não ter passado pelas ondas?

Badan – Do ponto de vista de estratégia foi acertada. Tudo tem prós e contras. É natural que usando um SAP tem a coisa pronta e mais fácil, mas nem sempre é verdade. Esse negócio do SPED IN86, mandar balanço para o governo via e-Social. Diariamente são enviadas essas informações. Fizemos isso há anos e alguns dos colegas sofrem até hoje. E fiz porque tinha um time ágil, objetivo e que conhecia tudo. Em alguns aspectos, você traz pronto, mas está na mão dos caras para mudanças. Não gosto de ficar na mão de um fornecedor. Nem todo mundo está na mesma versão do ERP, as vezes não evoluiu e não consegue ir para o mais moderno e isso gera trauma, é custoso, trabalhoso. Colocando no balanço, prefiro o modelo que temos.

ITF 365 – Você consegue fazer um balanço das transformações ocorridas no cargo do CIO ao longo desses anos de carreira?

Badan – Se fosse no período de um ou dois anos talvez fosse mais fácil. Estou há 14 anos como CIO e tudo mudou e tudo ficou igual nesses anos. Eu tenho certa autonomia na região e ao mesmo tempo devo bater continência nos EUA. Já reportei para o presidente, CFO, hoje é CFO e vai voltar para presidente. No mundo Ford sempre se reporta para o presidente, com exceção do Brasil, foi uma mudança por carga de trabalho. Mas minha dependência verdadeira é com o pessoal de TI dos EUA.

Sempre tivemos uma participação efetiva no grupo gestor de TI global, eles gostam de ouvir nossa opinião. O que mudou mesmo é que nossa participação está cada vez mais latente e, por eles, eu deveria ir até com mais frequência para lá. Participo aqui de um comitê com o presidente e reunião com todos diretores. Com essa conexão, estando presente na reunião, consigo saber para onde a coisa vai e onde TI pode ajudar.

ITF 365 – Você consegue afirmar que TI realmente faz parte do negócio na Ford?

Badan – Uma das recomendações para o time é ser influente, se não for assim somos vaca de presépio. Para ser influente tem que conhecer nosso campo de atuação, o que é e para que serve, e também ser profundo conhecedor do negócio, como monta o carro, porque a fábrica é assim, como se desenha o carro. Se em uma reunião não se sente falta da TI, a TI já não serve, perdeu espaço. Quando esquecerem da TI é porque não agregamos valor.

Hoje posso dizer que nós sempre trabalhamos com essa direção e nós nos fizemos necessários. Hoje para qualquer discussão somos vitais e o somos a para mudança da Ford, para grandes transformações. O CEO global disse que a Ford não quer ser empresa automobilística, mas de mobilidade e, para isso, é necessário ser baseada em TI, então, mais que influente, estamos mudando algo que sempre falei: quando implantávamos alguma coisa com sucesso, ninguém agradecia, mas não tem que agradecer. Você agradece água e luz para alguém? Não, e quando falta? Liga para todos.

TI tem que ser assim, especialmente quando não é core. Não reconhece, mas quer que funcione. Com essa nova abordagem, TI ganha função core e isso vai para o discurso. Temos 4 áreas core na Ford: engenharia, manufatura, marketing e vendas e garantia. Sempre interna, sem planos de ir para fora. TI, na medida em que passa ser impactada pelos produtos, passa a ser core. Temos muita gente destacada trabalhando na nova onda.

ITF 365 – Que tipo de conselho você daria para quem está na carreira de TI e quer ser CIO?

Badan – Outro dia estava lendo, mas não sei até onde é verdade, que a profissão mais estressante que existe é CIO, depois marketing, mas será? Dá um conselho para o cara entrar na profissão mais estressante? Temos três coisas: ser influente, ter background, ter profundo conhecimento de TI e da empresa/setor em que atua. Não adianta querer criar um sistema e não conhecer a Ford, os parceiros, como e quantos são funcionários, sindicatos, restrições.

Um segundo ponto é ter claramente a razão de TI. As vezes pergunto para os colegas e muitos dizem fazer sistema. Estamos aqui para dar a melhor solução para o negócio e muitas vezes é orientação. Mas no afã de fazer algo, ele quer criar sistema, pensar algo novo. Qual nosso papel aqui ou em qualquer lugar? E um terceiro ponto é o que fazemos, nossa produção, como a gente faz. É comum ver sistema pronto e sem relatório gerencial, por exemplo. Não é uma coisa pensada, completa e com todo escopo. Gosto de dizer que nossa produção tem que encantar o usuário. E as vezes faz e não agrega valor, só traz custo e desafio para empresa.

Fonte: ItForum 365